terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Saúde Mental na Atenção Básica



A Política Nacional de Atenção Básica, aprovada através da portaria nº 648/GM de 28 de março de 2006, define atenção básica como um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, assim como a manutenção da saúde. Os Programas de Saúde da Família (PSF’s) são a estratégia prioritária da atenção básica no Brasil e a porta de entrada preferencial para o Sistema Único de Saúde (SUS).
É também, por meio dos PSF’s de cada região, que os usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são tratados em seus problemas de saúde em geral. Por sua proximidade com a comunidade e vinculadas com a noção de territorialidade, as Equipes da Saúde da Família (ESF´s) são estratégicas para a atenção e a reabilitação psicossocial daqueles acometidos de algum sofrimento psíquico.
Tendo em vista que as políticas públicas de saúde mental são primordialmente intersetoriais e levando em consideração a relevância da desmistificação da loucura entre os profissionais da saúde em geral, observamos a articulação necessária entre as ações de saúde mental e atenção básica no Brasil. Essa relação é indispensável, pois somente uma rede é capaz de garantir a atenção integral aos usuários.
A complicação em estabelecer parcerias entre os serviços de saúde mental e os programas da atenção básica pode acarretar implicações para a configuração do SUS, visto como um modelo de sistema unificado e integral. A atenção ao usuário em sua integralidade, como previsto pelo sistema único, só será alcançada através do trabalho multiprofissional e da constituição de uma rede de cuidados, especialmente entre a saúde mental e a atenção básica.
O Apoio Matricial possibilita essa articulação por meio de conhecimentos e práticas específicas da área da saúde mental que são oferecidos à equipe de profissionais da saúde. De acordo com o Ministério da Saúde, o profissional da saúde mental participa de reuniões de planejamento das Equipes de Saúde da Família, realiza ações de supervisão, discussão de casos, atendimento compartilhado e atendimento específico, além de participar das iniciativas de capacitação. Assim, tanto o profissional de saúde mental, quanto a ESF se responsabilizam pelo cuidado ao usuário e fortalecem o trabalho interdisciplinar.

A capacitação das equipes do Programa de Saúde da Família e o acompanhamento das ações de saúde mental na atenção básica já são realidade em alguns municípios. Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, em 2009 foram capacitados 200 profissionais na área de saúde mental para trabalhar com as Equipes de Saúde da Família.

Mesmo que no documento sobre a Política Nacional da Atenção Básica não tenha nenhuma referência às ações de saúde mental, é indiscutível o vínculo entre esse campo e a atenção básica no Brasil, posto que todo problema de saúde é também – e sempre – mental, bem como toda saúde mental será sempre também, produção de saúde.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O Plano Nacional de Educação

 
 
De acordo com o documento consolidado na Plenária de Encerramento do II Congresso Nacional de Educação (CONED), que ocorreu em setembro de 1997, em Belo Horizonte (MG), o “Plano Nacional de Educação é um documento-referência que contempla dimensões e problemas sociais, culturais, políticos e educacionais brasileiros, embasado nas lutas e proposições daqueles que defendem uma sociedade mais justa e igualitária e, por decorrência, uma educação pública, gratuita, democrática, laica e de qualidade, para todos, em todos os níveis. Assim, princípios, diretrizes, prioridades, metas e estratégias de ação contidas neste Plano consideram tanto as questões estruturais como as conjunturais, definindo objetivos de longo, médio e curto prazos a serem assumidos pelo conjunto da sociedade enquanto referenciais claros de atuação”.

Essa proposta foi elaborada de maneira democrática, e diferentes segmentos da sociedade participaram de seus seminários temáticos locais, regionais e nacionais que tiveram como objetivo ampliar a participação da sociedade brasileira. Os resultados dessas discussões, de toda a movimentação social e do “Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública” acabaram por pressionar o governo para a sanção da Lei n° 10.172, de 9 de Janeiro de 2001, que aprovou o primeiro Plano Nacional de Educação (PNE), que serviria de referência entre os anos de 2001 e 2010, tornando o PNE não apenas uma carta de intenção, mas algo a ser realmente cumprido.

Esse Plano (2001/2010) teve várias críticas, principalmente quanto a sua clareza, pois, previa aumento de recursos para a Educação, mas não falava de onde viriam nem onde deveriam ser aplicados. A quantidade de metas (295) também foi criticada, pois tornavam difícil para a sociedade seu acompanhamento e a cobrança de seu cumprimento. Outra questão é que as propostas iniciais eram de que 10% do Produto Interno Bruto (PIB) fossem direcionados para a Educação. Após vetos do presidente da época, Fernando Henrique Cardoso, ficou decidido que o governo iria, após 2005, direcionar 7% do PIB, o que não ocorreu (atualmente cerca de 5% do PIB apenas é investido em Educação).

Das metas propostas, algumas foram alcançadas, como: a implantação do Ensino Fundamental de 9 anos e o aprimoramento de sistemas de informação e avaliação (exemplo disto é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Outras metas foram realizadas com atrasos, ou de maneira parcial, como a implementação do piso salarial e planos de carreira, a oferta de vagas na Educação Infantil e a universalização do Ensino Fundamental. Já outras propostas como Educação de Jovens e Adultos para 50% da população, redução de 50% de repetência e abandono e erradicação do analfabetismo ficaram longe de se tornarem realidade. O número de metas era muito grande, e muitas delas não eram quantificáveis, o que dificultou bastante a fiscalização. Outro ponto fraco desse PNE é que, mesmo sendo uma lei, não previu punições para aqueles que não o cumprissem. Assim, sem recursos ou medidas que possibilitassem ou forçassem sua realização, ficou difícil para que as medidas saíssem do papel.

No dia 15 de dezembro de 2010, o então ministro da Educação Fernando Haddad entregou a Luiz Inácio Lula da Silva, presidente na época, o Plano Nacionalde Educação para os anos de 2011 a 2020. O Plano estabelece o cumprimento de 20 metas (número bastante reduzido se comparado ao anterior), e estratégias para sua realização durante os próximos 10 anos. Assim como ocorreu anteriormente, houve uma ampla discussão sobre as propostas para o novo Plano. Cerca de 3 milhões de pessoas, dentre elas educadores, estudantes e outros representantes da sociedade civil, se envolveram e participaram da Conferência Nacional de Educação (CONAE), que ocorreu em abril de 2010. Contudo, várias das propostas aprovadas na Conferência foram retiradas ou alteradas no texto apresentado pelo ministro como projeto de lei. Uma das indicações que geraram controvérsias foi, assim como no Plano anterior, a porcentagem do PIB direcionado para a Educação. A CONAE aprovou 10%, o Ministério da Educação reduziu para 7%, e sem prazo para o cumprimento.

Várias das propostas não alcançadas do Plano de 2001/2010 continuam no de 2010/2020, como a erradicação do analfabetismo, valorização dos professores e garantia de acesso à escola a todas as crianças (visto que acesso não é somente vagas, mas também transporte, alimentação, etc.). Apesar das metas “renovadas”, o novo Plano apresenta algumas melhorias com relação ao segundo. A principal talvez seja um direcionamento dos recursos públicos para as escolas públicas, visto que o ProUni não aparece em nenhuma das propostas. Isso poderá gerar muitas discussões por parte daqueles que defendem as instituições privadas. Outras questões são relativas à Educação Inclusiva, já que este plano não prega a criação de escolas especiais para alunos especiais; e o foco dado à educação profissionalizante, de nível técnico.

Já estamos no fim de 2011, quase um ano depois de sua apresentação, ainda não temos a sanção nem implantação do novo PNE. No Congresso, o projeto recebeu quase 3 mil emendas parlamentares. Muitas delas são repetidas, principalmente aquelas referentes à 20ª meta, uma das mais polêmicas, que prevê o investimento de 7% do PIB em Educação. Para atender às propostas da CONAE, vários parlamentares estão reivindicando o aumento para 10%. Outra medida que ficou de fora na redação final do projeto foi a do direcionamento de 50% do Fundo Social do pré-sal para aumento da verba da Educação (O projeto de lei nº 138 de 2011 do senador Inácio Arruda já foi aprovado pela Comissão de Serviços de Infraestrutura e está em tramitação na Comissão de Educação, Cultura e Esporte).

O atraso do PNE e suas discussões mostram o quão delicada é a situação da Educação no Brasil. É preciso aprender com os erros do passado e não estabelecer metas impossíveis, ou, pelo menos, não torna-las inalcançáveis. A discussão sobre a 20ª meta, a dos recursos destinados à Educação é bastante pertinente, visto que todas as outras dependem dela. Afinal, a universalização o Ensino Fundamental, do atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino; o aumento do rendimento dos profissionais em educação; elevar para 33% o número de estudantes na Educação Superior e 75% a atuação de mestres e doutores no corpo docente nas instituições de Ensino Superior são apenas algumas das medidas que exigem muitos recursos e que, teoricamente, devem ser alcançadas até 2020. O PNE atual é bastante otimista, agora resta ao Governo elaborar estratégias que não deixem, como ocorreu anteriormente, metas para serem renovadas para o Plano de 2021/2030. Se contarmos que 2011 está terminando, restam apenas 9 anos.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Políticas de Álcool e Drogas e o cartão 'Aliança pela Vida'


O vídeo acima refere-se ao programa ‘Aliança pela Vida’, desenvolvido pelo governo do Estado de Minas Gerais, um dos resultados do decreto assinado pelo governador Antonio Anastasia, determinando a aplicação de até 1% do orçamento de órgãos e secretarias do Estado que desenvolvem programas sociais em projetos de prevenção e combate às drogas. De acordo com o edital do ‘Aliança pela Vida’, foram selecionados 100 projetos sociais direcionados ao combate e ao uso de drogas e que receberão, cada um, o recurso de 70.000,00 reais por parte do governo estadual. Os projetos deveriam ser elaborados por pessoas jurídicas, de direito privado, sem fins lucrativos e conter ações educativas, culturais, esportivas, de capacitação, entre outras atividades preventivas e de tratamento contra o uso de drogas.
       Uma das ações do programa ‘Aliança pela Vida’, é ao nosso ver, problemática. Esta refere-se à disponibilidade de uma bolsa para a família do usuário de crack interná-lo em uma comunidade terapêutica conveniada com o governo estadual. A família tem acesso à esse recurso através do cartão ‘Aliança pela Vida’, já apelidado de ‘bolsa-crack’, que oferece o valor de 900,00 reais para a família, sendo 810,00 repassados diretamente para as comunidade terapêuticas (CT’s) e 90,00 destinados às despesas com transporte.
No entanto, vemos que essa ação do governo do Estado de Minas Gerais pauta a sua eficácia em dois parâmetro: o recurso à internação como modalidade terapêutica privilegiada de tratamento e a transferência da responsabilidade do uso do cartão para a família do usuário de crack. Estes dois parâmetros se reduzem à recusa da subjetividade do usuário de drogas por partir da premissa de que seu tratamento tem que se dar às margens da sociedade, uma vez que privilegia sua internação.
De certo modo, tal ação contraria o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e Outras Drogas, via Portaria GM n.816 de 30 de abril de 2002 e articulado com a política nacional de saúde mental, que criam os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad) como tratamento. Este dispositivo tem como objetivo oferecer atendimento diário, em modalidades de tipo intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, cujo foco e planejamento terapêutico partem de uma perspectiva que visa reintegrar o usuário à sociedade e oferece condições de repouso e desintoxicação; cuidados aos familiares; ações de enfrentamento dos problemas em conjunto com a comunidade e a diminuição do estigma e preconceito do usuário através de medidas de cunho preventivo/educativo.
O CAPSad é um dos dispositivos que integram a rede dos serviços subtitutivos da política de saúde mental vigente, respaldada pela Lei Federal 10.216. Podemos afirmar, então, que o desenvolvimento de qualquer política pública em saúde mental, seja no âmbito municipal e/ou estadual, deve estar em conformidade com as diretrizes desta Lei e, consequentemente, com os princípios da Reforma Psiquiátrica.
Todavia, esta ação específica do projeto ‘Aliança pela Vida’ caminha em direção contrária às diretrizes dos serviços substitutivos em saúde mental. Esse projeto privilegia a internação como o melhor tratamento, desarticulando a reabilitação e reinserção social dos usuários. E temos que questionar a terapêutica oferecida por diversas Comunidades Terapêuticas: quais são projetos terapêuticos? Como pensam um fim de tratamento adequado? Como integram esses tratamentos com a reabilitação psicossocial?
Grande parte das comunidades terapêuticas do Brasil funciona como um sistema disciplinar, baseada na vida comunitária, na religiosidade e no trabalho como recursos terapêuticos. Segundo a Anvisa, órgão que, dentre outras funções, regulamenta o funcionamento das CT’s, o principal instrumento terapêutico utilizado nas comunidades terapêuticas deve ser somente a convivência entre os pares. Historicamente, as comunidades terapêuticas que hoje conhecemos tem em seus fundamentos os princípios do tratamento moral proposto por Pinel no início do século XIX, passando pela reforma que constituiu as colônias agrícolas até chegar ao modelo das comunidades terapêuticas consagradas por Maxwell Jones, na Inglaterra, em 1959.
Diante de tais questões referentes ao desenvolvimento de políticas de combate às drogas, a experiência de Portugal com a descriminalização das drogas mostra-se interessante para as políticas públicas. Em 2001, Portugal tornou-se o primeiro país europeu a abolir oficialmente  todas as sanções penais pela posse pessoal de drogas, sendo ainda legalmente proibida, mas não mais caracteriza-se como crime. Porém, se apanhado pela polícia, o usuário é encaminhado para uma “comissão de dissuasão”, composta por um psicólogo, um advogado e um assistente social, que avaliam a situação e recomendam tratamento ou multa. Os resultados dessa política são expressivas: entre 2001 e 2006, as mortes por overdose caíram de 400 para 290; o registro de pessoas infectadas pelo HIV por compartilhar seringas contaminadas passou de 2 mil para 1.400.
Em relação ao projeto do cartão ‘Aliança pela Vida’, há, sem dúvida, o discurso capitalista como pano de fundo. Basta apenas conjecturar a soma de recursos que os proprietários dessas comunidades terapêuticas irão receber, devido ao novo fôlego dado às CT’s através desse projeto.  De acordo com as palavras do governador no vídeo, a bolsa é uma inovação, uma ação pioneira. Porém, essa ideia de internação que gera lucros não é tão nova e/ou pioneira assim. Se nos remetemos à época em que os grandes hospícios faturavam com internações dos “doentes mentais”, antes da efetivação da Lei Federal 10.216, chegamos à conclusão que talvez sejam os mesmos setores da sociedade e das organizações por detrás dessa articulação política, a mesma intenção e o mesmo lucro almejado, porém com uma nova roupagem: “vamos combater as drogas!”, mas sem estabelecer um plano realmente terapêutico que leve em consideração a singularidade do sujeito e a integração do usuário à sociedade como um sujeito de direitos e deveres.
Portanto, essa ação do programa do governo estadual de Minas Gerais é um exemplo dos problemas causados pela descontinuidade das políticas públicas. Atualmente, ela ainda está em fase de implantação, restringindo-se apenas às cidades de Teófilo Otoni e Juiz de Fora, mas podemos até prever mudanças seríssimas no campo da saúde mental. Nossa maior preocupação é que com essas ações, os serviços substitutivos em saúde mental, especialmente os CAPSad, tornem-se apenas complementares aos serviços oferecidos pelas comunidades terapêuticas, retrocedendo, assim, anos na luta da Reforma Psiquiátrica.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Consórcio entre as Universidades do Sul/Sudeste de Minas Gerais



Em reunião realizada no dia 29 de agosto deste ano foi aprovado pelo Conselho Universitário (Consu) a adesão da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) ao Consórcio das Universidades Federais do Sul-Sudeste de Minas Gerais. As discussões em torno da possibilidade de criação do consórcio foram iniciadas em julho de 2010 entre as universidades:  Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de Lavras (UFLA), Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e Universidade Federal de Viçosa (UFV). A ideia surgiu inicialmente devido à proximidade geográfica entre as instituições que, segundo seus idealizadores, poderia favorecer a implantação de diversas ações em conjunto, que não seriam possíveis se realizadas por cada universidade de forma individual.

Após várias reuniões entre os reitores e representantes das citadas universidades, chegou-se à versão final do Plano de Desenvolvimento Institucional - PDIC - em 23 de maio de 2011, documento que norteia as decisões e ações institucionais, elaborado em conjunto pelas universidades e no qual são apontados os objetivos e metas para o período de 2011 a 2015.

No formato que vem sendo desenhado, trata-se de um projeto pioneiro no Brasil. A adesão ao consórcio é voluntária, podendo ser renunciada a qualquer momento, resguardando-se os acordos firmados. Acredita-se que a implementação desse projeto trará muitos benefícios tanto para a comunidade acadêmica quanto para toda a região em que se localizam as entidades consorciadas. Algumas ações esperadas correspondem à mobilidade estudantil; integração das comunidades; possibilidade de compartilhamento de laboratórios multiusos e integração de projetos de pesquisa e extensão.

Por ser um projeto sem precedentes, muitas dúvidas e questionamentos são suscitados. Uma das principais inquietações refere-se à preocupação com a preservação da identidade das universidades, pois chegou a ser veiculada a informação de que o projeto se trataria de uma fusão, criando a chamada “superuniversidade”. Entretanto, conforme ressalta do PDIC, cada universidade consorciada permanecerá com sua autonomia, conforme previsto no artigo 207 da Constituição Federal o qual pontua que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

O modelo propõe a criação de um Conselho Diretor composto pelos reitores das universidades consorciadas, que se revezarão na coordenação exercida pelo prazo de um ano, sendo a Secretaria Executiva deslocada a cada mudança de gestão.

No entanto, algumas dúvidas ainda permanecem, como por exemplo, a operacionalização da mobilidade estudantil e, certamente, muitos ajustes ainda serão necessários à medida que o projeto for sendo desenvolvido.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Saúde Mental e Direitos Humanos


As violações dos direitos humanos no campo da saúde mental não são uma novidade. Elas ainda persistem desde a criação dos primeiros hospícios, nos quais era comum a aplicação de castigos físicos aos internos (o chamado tratamento moral de Pinel). Já no século XX, podemos citar como exemplo a lobotomia e o eletrochoque. Hoje temos em discussão a ideia higienista de internação compulsória, que atribui à instância pública o poder de internar a pessoa sem o seu consentimento. Estas são algumas das razões que justificam a inclusão da temática dos direitos humanos em um dos eixos principais da IV Conferência Nacional de Saúde Mental, que contribuiu para a importância de sua discussão no campo da saúde mental.

Mas quando nos referimos aos direitos humanos, do que estamos falando? A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento histórico promulgado em dezembro de 1948 pela então recém criada Organização das Nações Unidas, no qual define os direitos humanos fundamentais que devem ser universalmente protegidos pelas legislações dos países. São direitos inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis de todo cidadão. A Constituição Brasileira incorporou preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como visto no artigo 5 parágrafo III, afirmando que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".

No Brasil, um grande passo dado para a efetivação dos direitos humanos no campo da saúde mental foi a Reforma Psiquiátrica. Ela opõe-se aos anos de violação dos direitos humanos básicos e maus tratos nas instituições manicomiais, e defende a reinserção dos sujeitos asilados à sociedade, através da prática de atenção à saúde mental que os considere como cidadãos de direitos e deveres.
   
Após 10 anos da promulgação da Lei Federal 10.216, que institui a nova política de saúde mental e ressalta o exercício da cidadania, ainda podemos considerar importante a criação de espaços de debates e reflexões das políticas públicas de saúde mental em interface com as recomendações da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que pressupõem a igualdade entre as pessoas e que deveriam protegê-las de ações institucionalizadas que ferem sua liberdade.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Expansão Universitária: o caso de um restaurante universitário



O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI - iniciado em 2003, tem como um dos objetivos promover ações para a ampliação ao acesso e à permanência na educação superior. Nesse contexto, o governo federal lançou diversas medidas que favoreceram o crescimento das Universidades Federais com subsidios para a expansão das mesmas em diferentes aspectos, do físico ao acadêmico. O prazo proposto pelo Ministério da Educação (MEC) para o comprimento dessas metas pelas universidades é 2012.

Esta política pública teve como um dos grandes impactos na universidade que aderiram a ela, o crescimento significativo do número de estudantes. Este fato gerou consequências para as cidades em que elas estão inseridas. As cidades do interior, de uma forma geral, não conseguiram acompanhar o crescimento de sua sua universidade. Podemos dar como exemplo,  questões como moradias, restaurantes, estacionamentos e transito.
Autores da Psicologia Ambiental, apontam que a noção de ambiente envolve as pessoas, os objetos e os lugares frequentados por indivídos em múltiplos contextos. Nessa perspectiva, podemos considerar que o ambiente afeta as pessoas tanto por suas características sociais, que incluem seus significados e seus valores, quanto por suas características físicas, que incluem infraestrutura do espaço.

O REUNI foi instituído pelo decreto número 6.096, datado de 24 de abril de 2007, que explicita as diretrizes para o processo de expansão universitária ao nível de graduação destacando questões como: a redução da taxa de evasão, o aumento do número de vagas, o preenchimento das vagas ociosas; a revisão e a reestruturação da estrutura acadêmica; o investimento nas políticas de inclusão e assistência estudantil, entre outras. Todas essas questões tem como objetivo declarado elevar a qualidade do ensino.

Com a adesão ao REUNI em 2008,  a Universidade Federal de São João del Rei, (UFSJ) obteve verba para a construção de um restaurante universitário (RU). A cidade de São João del Rei, possui três campi, o Campus Santo Antônio (CSA), o Campus Dom Bosco (CDB) e o Campus Tancredo Neves (CTAN). O primeiro localizado no centro da cidade, o segundo a 2,6 quilômetros desse, e o terceiro a 5,2 quilômetros. Cabe destacar que a UFSJ não possui ainda restaurante universitário, sendo que o primeiro será instalado no CTAN que se localiza em perímetro rural.

Pensando na questão da mobilidade, um grupo de alunos do Departamento de Psicologia da UFSJ realizou uma pesquisa com objetivo de fazer um levantamento das opiniões dos estudantes dos campi Santo Antonio e Dom Bosco em relação à instalação do RU no Campus CTAN. Entre os fenômenos levantados pela pesquisa foi questionado se os estudantes da UFSJ consideram importante a universidade possuir um restaurante universitário e que fatores levariam ou não esses estudantes a se dirigirem até esse restaurante para fazerem suas refeições. Os resultados apontaram que 62% dos alunos não concordam com a construção do RU no CTAN, 31,5% concordam, 4,8% não deram opinião e 1,7% se posicionaram como indiferentes.

A construção do RU é uma tentativa da instituição de oferecer uma melhor qualidade de vida aos alunos, incluindo a oferta de uma refeição mais balanceada, além da possibilidade de trocas sociais. As respostas obtidas permitem destacar a importância de fatores relacionados ao ambiente físico que prejudicam, inclusive, a intenção de utilização do novo espaço pelos estudantes. O principal fator correlacionado aos questionamentos é a dificuldade de acesso e de mobilidade. Consideramos que a influência desse novo ambiente poderá trazer benefícios para a comunidade acadêmica, contudo, torna-se necessário um planejamento adequado para facilitar sua utilização. Na realidade, faz-se necessário um novo olhar sobre a distância do CTAN e sobre a questão do transporte na cidade de São João del-Rei.

Assim, o caso do RU da UFSJ nos permite refletir sobre o impacto das Políticas Públicas na vida das pessoas e das suas cidades. A adesão a uma política exige planejamento e estruturação necessárias para o seu sucesso.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Psicopatologia - Debate em São João Del Rei




O blog No pé da Política, conjuntamente com o Núcleo de Pesquisa e Extensão em Psicanálise da Universidade Federal de São João del-Rei disponibiliza o vídeo produto da mesa redonda que ocorreu na UFSJ no dia 29 de setembro (2011). Resultado de uma série de eventos cujo tema pretende discutir as controvérsias dos DSM’s. Os debates tem como título, Psicopatologia: Um tema sempre em debate, cuja discussão se estenderá também para Universidade Federal de Minas Gerais (24 de Outubro de 2011) e para Universidade Federal de São Paulo (24 de Novembro de 2011). 

Compuseram a mesa o Prof. Dr. Roberto Calazans (NUPEP/UFSJ), o Prof. Dr. Fuad Kyrillos Neto (LATESFIP/UFTM) e a Profa. Dra. Márcia Rosa (PSILACS/UFMG). Passando pela contextualização do debate – por ocasião do Movimento Stop DSM – o prof. Roberto Calazans pondera sobre as implicações do uso do DSM como único critério diagnóstico do sofrimento psíquico, e analisa suas consequências nos âmbitos da educação, políticas públicas e práticas psicológicas. Em seguida, o Prof. Fuad Kyrillos, traça um histórico dos DSM’s e relaciona o aumento exponencial do número de categorias diagnósticas como decorrência dos usos deste manual. Por fim, a Profa. Márcia Rosa explana sobre o caso clínico Thomas. Diagnosticado com “fobia social”, a condução do caso por dentro da clínica de Freud e de Lacan procura delimitar as coordenadas de um trabalho clínico e suas implicações, as manifestações de “fobia social” são investigadas à luz da sua etiologia, o que provoca e amplia a discussão sobre os manuais diagnósticos estatísticos dos transtornos mentais. 

Os detalhes e toda a discussão poderão ser acessados também na íntegra através do link: Roberto CalazansFuad Kyrillos NetoMárcia Rosa (devido a um problema técnico, as imagens da palestra da Profª. Drª Márcia Rosa foram perdidas). 

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Políticas Públicas em Educação



Assistimos ao desenvolvimento da educação brasileira com olhos preocupados devido às dificuldades sociais e históricas que têm sido enfrentadas ao longo dos anos. As políticas públicas voltadas para a educação que são pensadas de forma a se manterem apenas por um curto prazo, além de serem descontínuas, são exemplos deste fato.

Essas políticas tentam solucionar problemas atuais da realidade brasileira e evitam o debate em busca de soluções mais duradoras provenientes de um planejamento que ultrapasse as gestões governamentais que visem soluções mais amplas. Um exemplo disso são as próprias politicas de cotas, já citada nesse blog. 

Ao longo de sua história, a evolução das políticas publicas para educação no Brasil ocorreu de forma lenta e questionável. A primeira política pública de educação brasileira aconteceu com a primeira Constituição do Império do Brasil, em 1824, que garantia a instrução primária a todos os cidadãos (filhos de pais brasileiros, necessariamente libertos, portugueses já residentes e que permaneceram no Brasil após a independência, ou de estrangeiros naturalizados).

A lei de 15 de outubro de 1827, período do Império, primeira lei geral do Brasil independente, versa sobre a criação de “escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império”. Essa lei incluiu a implantação de escolas para meninas nas regiões mais populosas e a possibilidade de suas “Mestras” receberem o mesmo ordenado dos “Mestres”. O ensino para as meninas era oferecido com algumas limitações de conteúdo de acordo com os padrões da época.

Apesar da lentidão, as políticas públicas de educação foram evoluindo de acordo com os anos, garantindo educação a mais cidadãos. Em 1990 houve um grande salto, a DeclaraçãoMundial sobre Educação para todos, surgiu como um plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de Educação. A sua promulgação foi necessária para estabelecer parâmetros e confirmar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que garantiu educação para todos, mas não detalhou o tema.

No Brasil, outra importante legislação a ser citada é a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional - LDB, 1996, considerada uma grande conquista para a educação em vários aspectos, que incluem a educação a distância, a educação de jovens e adultos e a valorização da formação de professores. Essa lei, orienta as políticas públicas de educação e tem sido a base geradora e limitadora para as novas propostas e as já existentes.

Hoje o maior problema enfrentado pelo país em relação à políticas públicas voltadas para a educação diz respeito à qualidade do ensino que é oferecido aos cidadãos. Nos níveis básico, fundamental e médio, diversas tentativas são observadas desde à política de formação de professores àquelas que garantem a aprovação dos estudantes e a aceleração daqueles que passaram por reprovações, tal como o “Programa Acelerar para Vencer” em Minas Gerais. Dentre as políticas de nível superior estão o aumento do número de vagas nas universidades públicas e a criação de incentivos como o PROUNI, para inserção do jovem nas escolas particulares.

Consideramos que nesse quadro histórico a garantia da educação a todo e qualquer cidadão é uma grande conquista. Todavia, o país sofre uma série de reveses para a garantia desse direito. Destacamos que a educação é um direito compulsório no Brasil; Contudo, até o momento não encontramos um caminho para a garantia de uma educação de qualidade e para a formação de cidadãos críticos e autônomos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Trabalho Interdisciplinar em Saúde Mental: uma realidade?


Aproveitando a ocasião do Dia Mundial da Saúde Mental - 10 de outubro- lançamos uma discussão sobre a importância do trabalho multiprofissional nos serviços substitutivos de saúde mental. A atual política de saúde mental do Estado brasileiro, apoiada na lei federal 10.216, é resultado da transição de um modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico para um modelo aberto, de base comunitária. E para o pleno funcionamento dessa rede substitutiva de saúde, exige-se o exercício da interdisciplinaridade. Por isso, a importância da articulação não hierarquizada no interior dos serviços, no qual profissionais de diversos campos do saber trabalham em equipe em prol da mesma iniciativa - o melhor tratamento possível para a pessoa acometida de algum sofrimento psíquico. Na III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em Brasília no ano de 2002, ficou decidido que os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) devem ser constituídos por equipes multiprofissionais.

Na década de 1960 e 1970, os serviços de saúde mental tiveram um aumento dramático na centralização em uma abordagem hospitalocêntrica e privada. Neste modelo, a psiquiatria acaba se tornando a disciplina hegemônica a qual as outras deveriam se submeter. Com os movimentos da Reforma Sanitária (década de 1970) e da Reforma Psiquiátrica (década de 1980/90) e a consequente desinstitucionalização em saúde mental, chegamos à  elaboração da lei federal 10.216, em que houve o redirecionamento da “assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária [...] substitutivos ao hospital psiquiátrico”. É necessário lembrar que esses serviços são de responsabilidade do Estado.

Essa mudança de paradigmas resultou numa redefinição de papéis e reestruturação de práticas no campo da saúde mental, que propõe a queda da hegemonia psiquiátrica e a imagem centralizante do médico como o principal responsável pelo tratamento do sofrimento psíquico. Mas será que ainda existem vestígios do modelo hospitalocêntrico no interior da rede substitutiva de saúde mental? Em especial entre os profissionais que deveriam compor a equipe multiprofissional?

As palavras do presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo, em entrevista publicada no jornal  Psiquiatria Hoje revelam que para alguns a hegemonia psiquiátrica  deveria perdurar. Segundo o psiquiatra, é preciso que “a saúde volte a ser planejada com base na ciência, conduzida por médicos com os conhecimentos técnicos”.

Alguns profissionais da área de saúde mental ainda carregam resquícios do modelo manicomial. O corporativismo presente na atuação de alguns profissionais psiquiatras, por exemplo, não passa de uma conseqüência da hegemonia do poder médico, que antes privatizava a atenção em saúde no Brasil.

A nova política de saúde mental não comporta o espírito privatizante e corporativista na atuação de alguns médicos psiquiatras ou de qualquer outra especialidade profissional. O trabalho em equipe, preconizado pela portaria 336 (responsável por regulamentar os CAPS), que inclui psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas, etc, garante o protagonismo e autonomia de cada um desses profissionais. Juntos, eles devem atuar sobre o princípio da interdisciplinaridade, visto  queé garantido à pessoa portadora de transtorno mental ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades”.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Psicopatologia: Um tema sempre em Debate

Convidamos a todos a participarem dos debates a respeito do uso dos DSM's como critérios quase que exclusivos de diagnóstico que não leva em consideração a singularidade do sujeito. As datas dos eventos estão no cartaz abaixo.


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Educação inclusiva




A educação inclusiva, especialmente no Brasil, tem caminhado por grandes desafios históricos. Como exemplo disso podemos citar o fato de que em 1822, com o início do Brasil império, percebeu-se a necessidade da criação de escolas, mas apenas filhos de portugueses, que formavam nossa elite, eram aqueles que tinham acesso à educação.

A primeira constituição brasileira, Constituição do Império do Brazil, sancionada em 1824, garantia direito de educação primária a todos. Essa pode ser considerada a primeira politica pública de educação no Brasil, mas não indicava ainda a possibilidade de educação inclusiva, até porque era vergonha ter alguém com qualquer tipo de deficiência na família. Acreditava-se que isso acontecia em decorrência de um pecado.

Foi em 1948, na Declaração Universal de Direitos Humanos, o primeiro momento em que se discutiu a questão da inclusão. Por meio de uma política internacional a Declaração dizia que “toda pessoa tem direito à educação”.

No Brasil, a professora de psicologia Helena Antipoff foi a precursora desse movimento de assistência à crianças excepcionais. E, juntamente com o professor Ulisses Pernambucano, realizou o estudo “Classificação de Crianças Anormais” em que defendia a necessidade de educação para “pessoas excepcionais”, termo utilizado por ela.

Em 1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases (Lei 4024/61) abre o processo de privatização e de desresponsabilização do Estado. Contudo, a nova LDB de 1996 (Lei 9394/96), no seu capítulo V, apresenta uma normatização para o acolhimento de pessoas com deficiências nas escolas regulares e para sua integração na sociedade. A lei define ainda o papel do poder público nesse contexto.

A partir dessa legislação surgem os sistemas de oficinas, conjugando caridade e cura. Entretanto a legislação apresenta uma proposta que até os dias de hoje tem dificuldades para a sua implementação prática. O poder público continua a discutir essa realidade e a propor modificações no sistema. Enquanto isso, questões como a qualidade da educação oferecida às pessoas com deficiência permanece em pauta.

Diversas questões podem ser levantadas e merecem ser discutidas. Parece simples criar leis que obriguem a matrícula de um aluno especial em uma escola regular, mas a dúvida é se os professores estão de fato preparados para atender essas crianças. Pergunta-se: como preparar esses professores? Como esses alunos devem ser recebidos? As escolas estão preparadas para receber esses alunos? O que pode ser feito? De fato, os desafios históricos continuam. A escola realiza a matrícula da criança, contudo criança permanece excluída por falta de preparo de material adequado.

Um questionamento é comum entre aqueles que se preocupam com o tema: Será necessário manter as escolas especiais ou a melhor opção é inserir essas crianças nas escolas regulares? Considerando que a segunda opção parece ser a mais aceita e defendida pelas políticas públicas, podemos afirmar que é preciso avaliar situações em que essa inclusão ocorreu e atuar de forma prática na formação dos professores, na diminuição real da quantidade de crianças por sala de aula e, principalmente, para que as crianças com deficiência possam ser de fato incluídas e terem uma educação de qualidade.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

MANIFESTO DE SÃO JOÃO DEL REI-BRASIL EM PROL DE UMA PSICOPATOLOGIA CLÍNICA




Aproveitando a ocasião da publicação próxima do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais V (DSM-V), nós, do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Psicanálise da Universidade Federal de São João del Rei, em parceria com o Laboratório Interunidades de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da Universidade de São Paulo, com o PSILACS Grupo de Pesquisa “Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo” do CNPq e com o Laboratório Interunidades de Psicopatologia e Psicanálise da Universidade Federal de Minas Gerais, aderimos à Campanha Internacional ‘Stop DSM’, idealizada pelo Espai Freud (Barcelona) e pelo ForumADD (Buenos Aires). Esta campanha é a favor de uma psicopatologia em que o sujeito seja contemplado e, por essa razão, lançamos aqui  nosso manifesto.

O DSM - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - foi responsável por tentar impor, a partir de sua terceira versão em 1980 (DSM-III), uma tábula rasa na história da psicopatologia, por conseguir, segundo seus promotores, ultrapassar a falta de acordo entre diversos teóricos do campo do sofrimento psíquico. Tal acontecimento, com forte impacto político, favoreceu a volta da psiquiatria biológica ao centro da cena clínica de diagnóstico e tratamento de transtornos mentais. O surgimento do DSM-III e de suas edições subseqüentes foi saudado por seus promotores como uma revolução científica que seria amparada em dois princípios básicos: transformar a psicopatologia em um descritivismo de sinais e sintomas; e evitar pronunciar-se sobre a etiologia dos transtornos mentais. E um método explícito de pesquisa é indicado: a estatística. Podemos reduzir estes princípios a uma única proposição: o a-teorismo. Mas como pode uma revolução científica ser a-teórica?

Ora, uma revolução científica depende do papel de uma teoria; esta, ao contrário do que acreditam os promotores dos DSM’s, não é uma mera abstração. Os DSM’s não são uma unanimidade epistêmica, apesar de sua pretensão de serem hegemônicos. E o uso que fazem da estatística - avaliação da freqüência de um sintoma por um período de tempo - acompanha o seu propalado descritivismo. No entanto, o uso científico da matemática não é descritivo: sua função não é descrever um fenômeno, mas explicá-lo. Os promotores dos DSM’s confundem quantificação com inteligibilidade científica.

O a-teorismo dos promotores dos DSM’s também é questionável no que concerne ao ensino da psicopatologia. A intromissão dos DSM’s nas universidades torna o quadro da formação profissional cada vez mais dramático. Temos hoje o ensino da psicopatologia reduzido a preenchimento de um check list. Se tivéssemos no lugar do DSM’s um ensino que valorizasse o debate amplo em torno dos modos de proceder o diagnóstico, teríamos a formação de um profissional com espírito crítico que não teria como ferramenta de trabalho somente a medicação do sujeito e a remissão dos sintomas, e que poderia, desse modo, discutir com subsídios as diversas políticas de saúde mental.

Os DSM’s, em seu esforço de serem ciência, deixam de lado também uma metodologia importante no trabalho do campo do sofrimento psíquico: o método clínico. Um sintoma é uma queixa de um sujeito. Não há clínica sem essa queixa. A queixa aponta para a dimensão primordial de atuação no campo do sofrimento psíquico: o que Jacques Lacan chamou de campo da fala e da linguagem. Deste modo, o sintoma psíquico não pode ser considerado como um déficit; ao contrário: aponta para um laço, uma tentativa de solução de ocupação entre o sujeito e seu mundo. No entanto, quando estamos às voltas com a definição de sintomas como déficits e do sujeito como um transtornado, temos uma prática em que a fala do sujeito se reduz a respostas a um questionário, tornando-o uma cifra a entrar numa estatística ou um índice a classificar genericamente uma experiência singular.

A consequência de um manual que não se ampara no método clínico e que se restringe a catalogar os fenômenos sem preocupação em saber como surgem, por que surgem, como se articulam entre si, e principalmente, que função esses fenômenos podem desempenhar para determinado sujeito é a criação de verdadeiras epidemias psíquicas. O que pode se agravar com a quinta versão do DSM: este não quer ser mais apenas um manual de diagnóstico de patologias já deflagradas, mas pretende predizer a possibilidade de surgimento de transtornos em sujeito. Com o novo projeto de um DSM preditivo, temos a expansão do que podemos chamar de patologização da existência: que qualquer evento da vida de um sujeito pode ser considerado um transtorno ou um potencial desarranjo. Consequentemente, deve ser tratado – via medicação – para a não perturbação da ordem pública, tentando prevenir o sempre inevitável mal-estar na civilização através do controle contemporâneo das populações. Essa patologização da existência revela o novo imperativo da psiquiatria estatística atual: todos transtornados. E se o tratamento privilegiado torna-se farmacológico, que grande negócio para a indústria farmacêutica!

Alias, não é recente e nem desconhecida a relação intrínseca entre os DSM’s e a indústria farmacêutica. Hoje temos as companhias farmacêuticas como motor da revisão dos DSM’s, uma vez que temos laboratórios financiando os “profissionais” responsáveis pela revisão dos transtornos.

    Deste modo defendemos uma psicopatologia que:
●tenha por referência maior o sujeito e seus modos singulares de se haver com o sintoma e com o mundo que o cerca;
●uma psicopatologia que se situe inteiramente na clínica, pois este é seu método por excelência;
●uma psicopatologia que conheça sua história, suas correntes, suas controvérsias e suas diferenças sócio-históricas.
●que, por conseqüência, possibilite um ensino e uma formação críticos de profissionais do sofrimento psíquico;
●que não esteja submetida aos lucros da indústria farmacêutica, mas que tenha por política a “economia” subjetiva do sintoma;
●que não esteja amparada em um ideal imaginário de ciência mas em uma ciência moderna, cuja matemática inclui um esforço de demonstração de impossibilidades lógicas, antes que a afirmação de sistemas totais fechados;
●que não promova a patologização da existência, a ilusão da prevenção e a padronização dos sujeitos.

Para ler a íntegra do Manifesto de São João del Rei Em prol de uma Psicopatologia Clínica, clique aqui.
Para apoiar nosso Manifesto, clique aqui. As assinaturas serão encaminhadas para Organização Mundial de Saúde ao final de 2012.