terça-feira, 22 de outubro de 2013

Enfim, a verdade sobre a questão do crack no Brasil


Há poucas semanas atrás, saíram os resultados da pesquisa da Fiocruz encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) a respeito da questão do crack no Brasil. Encomendada em 2010, essa pesquisa serviria de base e forneceria dados reais para as ações do governo federal em relação ao uso do crack, uma vez que ainda não se tinham conhecimentos epidemiológicos da droga e estimativas precisas do número de usuários; dados estes que orientam a formulação de políticas públicas. 

Porém, antes mesmo da finalização dessa pesquisa, o governo criou, em 2011, o ambicioso programa Crack, É Possível Vencer, com investimento de 4 bilhões de reais que seria aplicado nos eixos cuidado, autoridade e prevenção. Um dos desdobramento desse programa, por exemplo, é o financiamento público das comunidades terapêuticas, que acaba por privilegiar a internação como modalidade terapêutica.

Essa ação do governo provocou a seguinte crítica: como criar políticas sobre uma droga cuja complexidade era até então desconhecida? Até a finalização dessa pesquisa - e diga-se de passagem, a maior já realizada no mundo sobre o crack - não tínhamos dados sobre o perfil dos usuários e nem da dinâmica da droga. Ou seja, o crack permanecia uma incógnita e o dinheiro público estava sendo gasto às cegas.

Os resultados na íntegra da pesquisa estão reunidos nos seguintes documentos: Estimativa do número de usuários de crack e/ou similares nas capitais do país e Perfil dos usuários de crack e/ou similares no Brasil. Mostraremos aqui os principais dados que desmistificam alguns aspectos do crack mais veiculados midiaticamente:

A estimativa do número de usuários de crack é de 370 mil pessoas, estimativa esta que confronta os dados veiculados anteriormente de que no Brasil o número de usuários de crack ultrapassa 1 milhão. Na verdade, temos a estimativa de que são 1 milhão de usuários de drogas ilícitas nas capitais do país, sendo o crack correspondendo a 35% dessa população. 

Ao contrário do que se imaginava - devido à exposição das cracolândias - a estimativa do número de usuários de crack não é mais elevada na região Sudeste, mas sim no Nordeste: são 150 mil usuários de crack nas capitais dessa região. E dentre os 370 mil usuários de crack estimados, tem-se que cerca de 14% são menores de idade.

Outro dado importante: 80% dos usuários utilizam a droga em espaços públicos, o que não significa que esse é o percentual de usuários de drogas que são moradores de rua. Na verdade, menos da metade (40%) dos usuários de crack moram nas ruas. Esse dado refuta a hipótese de uma causalidade direta entre o uso do crack e o abandono social; o abandono social vem antes e a droga depois. Os usuários de crack são, basicamente, poliusuários, ou seja, o crack é apenas  uma das drogas utilizadas por eles. O álcool e o tabaco são as drogas mais consumidas entre os usuários - mais de 80%.

Outro dado relevante trazido na pesquisa é que cerca de 80% dos usuários de crack desejam se tratar. Desse modo, a justificativa para ações baseadas na internação compulsória (como, por exemplo, o Projeto de Lei 7.663) cai por terra.

Em relação aos serviços procurados para o tratamento, o CAPS-AD foi o mais acessado, ainda que por apenas 6,3% desses usuários. Esse dado reforça a necessidade de fortalecimento desses serviços abertos e de base comunitária no âmbito da rede de saúde, assim como os serviços intermediários, como os Consultórios de Rua, que superpõem a lógica da demanda espontânea para o tratamento.

Em suma, diante desses dados e o que eles revelam para nós, permanece a questão: o governo reformulará a política de “guerra” ao crack no Brasil?

Nenhum comentário:

Postar um comentário