quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Educação inclusiva




A educação inclusiva, especialmente no Brasil, tem caminhado por grandes desafios históricos. Como exemplo disso podemos citar o fato de que em 1822, com o início do Brasil império, percebeu-se a necessidade da criação de escolas, mas apenas filhos de portugueses, que formavam nossa elite, eram aqueles que tinham acesso à educação.

A primeira constituição brasileira, Constituição do Império do Brazil, sancionada em 1824, garantia direito de educação primária a todos. Essa pode ser considerada a primeira politica pública de educação no Brasil, mas não indicava ainda a possibilidade de educação inclusiva, até porque era vergonha ter alguém com qualquer tipo de deficiência na família. Acreditava-se que isso acontecia em decorrência de um pecado.

Foi em 1948, na Declaração Universal de Direitos Humanos, o primeiro momento em que se discutiu a questão da inclusão. Por meio de uma política internacional a Declaração dizia que “toda pessoa tem direito à educação”.

No Brasil, a professora de psicologia Helena Antipoff foi a precursora desse movimento de assistência à crianças excepcionais. E, juntamente com o professor Ulisses Pernambucano, realizou o estudo “Classificação de Crianças Anormais” em que defendia a necessidade de educação para “pessoas excepcionais”, termo utilizado por ela.

Em 1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases (Lei 4024/61) abre o processo de privatização e de desresponsabilização do Estado. Contudo, a nova LDB de 1996 (Lei 9394/96), no seu capítulo V, apresenta uma normatização para o acolhimento de pessoas com deficiências nas escolas regulares e para sua integração na sociedade. A lei define ainda o papel do poder público nesse contexto.

A partir dessa legislação surgem os sistemas de oficinas, conjugando caridade e cura. Entretanto a legislação apresenta uma proposta que até os dias de hoje tem dificuldades para a sua implementação prática. O poder público continua a discutir essa realidade e a propor modificações no sistema. Enquanto isso, questões como a qualidade da educação oferecida às pessoas com deficiência permanece em pauta.

Diversas questões podem ser levantadas e merecem ser discutidas. Parece simples criar leis que obriguem a matrícula de um aluno especial em uma escola regular, mas a dúvida é se os professores estão de fato preparados para atender essas crianças. Pergunta-se: como preparar esses professores? Como esses alunos devem ser recebidos? As escolas estão preparadas para receber esses alunos? O que pode ser feito? De fato, os desafios históricos continuam. A escola realiza a matrícula da criança, contudo criança permanece excluída por falta de preparo de material adequado.

Um questionamento é comum entre aqueles que se preocupam com o tema: Será necessário manter as escolas especiais ou a melhor opção é inserir essas crianças nas escolas regulares? Considerando que a segunda opção parece ser a mais aceita e defendida pelas políticas públicas, podemos afirmar que é preciso avaliar situações em que essa inclusão ocorreu e atuar de forma prática na formação dos professores, na diminuição real da quantidade de crianças por sala de aula e, principalmente, para que as crianças com deficiência possam ser de fato incluídas e terem uma educação de qualidade.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

MANIFESTO DE SÃO JOÃO DEL REI-BRASIL EM PROL DE UMA PSICOPATOLOGIA CLÍNICA




Aproveitando a ocasião da publicação próxima do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais V (DSM-V), nós, do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Psicanálise da Universidade Federal de São João del Rei, em parceria com o Laboratório Interunidades de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da Universidade de São Paulo, com o PSILACS Grupo de Pesquisa “Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo” do CNPq e com o Laboratório Interunidades de Psicopatologia e Psicanálise da Universidade Federal de Minas Gerais, aderimos à Campanha Internacional ‘Stop DSM’, idealizada pelo Espai Freud (Barcelona) e pelo ForumADD (Buenos Aires). Esta campanha é a favor de uma psicopatologia em que o sujeito seja contemplado e, por essa razão, lançamos aqui  nosso manifesto.

O DSM - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - foi responsável por tentar impor, a partir de sua terceira versão em 1980 (DSM-III), uma tábula rasa na história da psicopatologia, por conseguir, segundo seus promotores, ultrapassar a falta de acordo entre diversos teóricos do campo do sofrimento psíquico. Tal acontecimento, com forte impacto político, favoreceu a volta da psiquiatria biológica ao centro da cena clínica de diagnóstico e tratamento de transtornos mentais. O surgimento do DSM-III e de suas edições subseqüentes foi saudado por seus promotores como uma revolução científica que seria amparada em dois princípios básicos: transformar a psicopatologia em um descritivismo de sinais e sintomas; e evitar pronunciar-se sobre a etiologia dos transtornos mentais. E um método explícito de pesquisa é indicado: a estatística. Podemos reduzir estes princípios a uma única proposição: o a-teorismo. Mas como pode uma revolução científica ser a-teórica?

Ora, uma revolução científica depende do papel de uma teoria; esta, ao contrário do que acreditam os promotores dos DSM’s, não é uma mera abstração. Os DSM’s não são uma unanimidade epistêmica, apesar de sua pretensão de serem hegemônicos. E o uso que fazem da estatística - avaliação da freqüência de um sintoma por um período de tempo - acompanha o seu propalado descritivismo. No entanto, o uso científico da matemática não é descritivo: sua função não é descrever um fenômeno, mas explicá-lo. Os promotores dos DSM’s confundem quantificação com inteligibilidade científica.

O a-teorismo dos promotores dos DSM’s também é questionável no que concerne ao ensino da psicopatologia. A intromissão dos DSM’s nas universidades torna o quadro da formação profissional cada vez mais dramático. Temos hoje o ensino da psicopatologia reduzido a preenchimento de um check list. Se tivéssemos no lugar do DSM’s um ensino que valorizasse o debate amplo em torno dos modos de proceder o diagnóstico, teríamos a formação de um profissional com espírito crítico que não teria como ferramenta de trabalho somente a medicação do sujeito e a remissão dos sintomas, e que poderia, desse modo, discutir com subsídios as diversas políticas de saúde mental.

Os DSM’s, em seu esforço de serem ciência, deixam de lado também uma metodologia importante no trabalho do campo do sofrimento psíquico: o método clínico. Um sintoma é uma queixa de um sujeito. Não há clínica sem essa queixa. A queixa aponta para a dimensão primordial de atuação no campo do sofrimento psíquico: o que Jacques Lacan chamou de campo da fala e da linguagem. Deste modo, o sintoma psíquico não pode ser considerado como um déficit; ao contrário: aponta para um laço, uma tentativa de solução de ocupação entre o sujeito e seu mundo. No entanto, quando estamos às voltas com a definição de sintomas como déficits e do sujeito como um transtornado, temos uma prática em que a fala do sujeito se reduz a respostas a um questionário, tornando-o uma cifra a entrar numa estatística ou um índice a classificar genericamente uma experiência singular.

A consequência de um manual que não se ampara no método clínico e que se restringe a catalogar os fenômenos sem preocupação em saber como surgem, por que surgem, como se articulam entre si, e principalmente, que função esses fenômenos podem desempenhar para determinado sujeito é a criação de verdadeiras epidemias psíquicas. O que pode se agravar com a quinta versão do DSM: este não quer ser mais apenas um manual de diagnóstico de patologias já deflagradas, mas pretende predizer a possibilidade de surgimento de transtornos em sujeito. Com o novo projeto de um DSM preditivo, temos a expansão do que podemos chamar de patologização da existência: que qualquer evento da vida de um sujeito pode ser considerado um transtorno ou um potencial desarranjo. Consequentemente, deve ser tratado – via medicação – para a não perturbação da ordem pública, tentando prevenir o sempre inevitável mal-estar na civilização através do controle contemporâneo das populações. Essa patologização da existência revela o novo imperativo da psiquiatria estatística atual: todos transtornados. E se o tratamento privilegiado torna-se farmacológico, que grande negócio para a indústria farmacêutica!

Alias, não é recente e nem desconhecida a relação intrínseca entre os DSM’s e a indústria farmacêutica. Hoje temos as companhias farmacêuticas como motor da revisão dos DSM’s, uma vez que temos laboratórios financiando os “profissionais” responsáveis pela revisão dos transtornos.

    Deste modo defendemos uma psicopatologia que:
●tenha por referência maior o sujeito e seus modos singulares de se haver com o sintoma e com o mundo que o cerca;
●uma psicopatologia que se situe inteiramente na clínica, pois este é seu método por excelência;
●uma psicopatologia que conheça sua história, suas correntes, suas controvérsias e suas diferenças sócio-históricas.
●que, por conseqüência, possibilite um ensino e uma formação críticos de profissionais do sofrimento psíquico;
●que não esteja submetida aos lucros da indústria farmacêutica, mas que tenha por política a “economia” subjetiva do sintoma;
●que não esteja amparada em um ideal imaginário de ciência mas em uma ciência moderna, cuja matemática inclui um esforço de demonstração de impossibilidades lógicas, antes que a afirmação de sistemas totais fechados;
●que não promova a patologização da existência, a ilusão da prevenção e a padronização dos sujeitos.

Para ler a íntegra do Manifesto de São João del Rei Em prol de uma Psicopatologia Clínica, clique aqui.
Para apoiar nosso Manifesto, clique aqui. As assinaturas serão encaminhadas para Organização Mundial de Saúde ao final de 2012.